Conheci a voz sonhada nas ruas de San Vicente Del Caguán, em Caquetá, uma terra no sul da Colômbia, banhada por um afluente do Amazonas, Caguán como o nome da terra indica. A localidade estava ocupada pelos guerrilheiros das FARC-EP. Mas a vida decorria como se nada de estranho ocorresse. Imersas nessa calma de todos os dias estavam as caminhadas da voz sonhada. Ele percorria diariamente, durante horas, as ruas de San Vicente com um megafone, na mão, para dar as notícias do dia. Era uma espécie de rádio que arrastava os pés. No meio das notícias, tinha um pensamento do dia e para sobreviver declamava anúncios a publicitar as lojas locais.

Eu e o João Duarte chegamos de avião ao pequeno aeroporto a poucos quilómetros do centro da localidade. O Aeroporto era uma estrada e um barracão cercados por uma vedação. À chegada fomos revistados pelos guerrilheiros. Alojámo-nos numa pensão dirigida pela “China”. Como todas as pensões locais, tinha como actividade outra coisa para além de alojar jornalistas estrangeiros. As ruas estavam cheias de música e de comércios garridos.

Foi nesses dias, antes de descermos o rio para visitar os campos de cocaína, que nos cruzamos com a voz sonhada, sempre a cumprir a sua missão de calcorrear as ruas de lama dando as últimas notícias. Várias vezes demos com ele, ao longo do mês que andamos pela região.

Tínhamos estado até as tantas da manhã a beber cervejas com os elementos das milícias bolivarianas, passando por vários sítios, entre os quais um prostíbulo decorado na parede com um enorme Piu-piu amarelo, dos desenhos animados da Looney Tunes, a dizer: “sin condon ni pio”.

Quando acabamos a noite exclusivamente de copos (não tenham ideias), despontava a madrugada, na rua ouvimos uma cantilena ao longe, parecia a voz sonhada a começar a sua jornada.